Artigo: O VI RELATÓRIO DO IPCC, O MATOPIBA E A AGRICULTURA FAMILIAR

O VI Relatório do IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Change), divulgado no dia 9 de agosto de 2021, alarmou o mundo sobre os prognósticos relativos às mudanças climáticas. O Relatório soa um ALERTA vermelho sobre a emergência climática e os limites para adequar nossos modos de vida à possibilidade de sobrevivência da espécie humana na Terra e apresenta nossos desafios civilizatórios.

Pela primeira vez um Relatório do IPCC quantifica a influência humana no aquecimento global. O aquecimento do mundo desde a  era pré-industrial foi de 1,09C dos quais só 0,02 são relativos a causas naturais. O restante 1,07C são creditados às atividades humanas, responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, provocadas pelo DESMATAMENTO e pela queima de combustíveis fósseis, prioritariamente. Na próxima década a temperatura global ultrapassará o limite assustador de elevação de 1,5C, que o Acordo de Paris tentou evitar.

Caso consigamos restabelecer e renovar o Acordo do Clima, assinado em 2015 em Paris, por 195 países, poderemos diminuir para 1,4C entre 2081 e 2100. O abandono das metas de redução de emissões por países centrais no cenário econômico e, também, pelo Brasil (um dos principais articuladores do Acordo de Paris de 2015) implica na possibilidade real da elevação da temperatura chegar a 5,7C,  alerta o Relatório.  Isto significa flertar com o Apocalipse. No caso brasileiro, diante da destruição socioambiental provocada pelo genocida alçado ao governo federal pelas elites do atraso, a possibilidade de compensação dos efeitos danosos pelas instâncias subnacionais estão se frustrando.

A frustração é confirmada pelo capítulo do Relatório que introduz a novidade de apresentar cenários regionais de curto prazo, visando orientar as políticas públicas a serem adotadas pelos tomadores de decisão.

Nestes cenários, o Brasil está relacionado entre os países sob os mais sérios riscos, em especial a sua região Nordeste, a área seca mais densamente povoada do mundo, que será recorrentemente afetada por extremos climáticos. Os estados que compõem o MATOPIBA (Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia) que hoje exploram a última fronteira agrícola do mundo, de maneira devastadora, o oeste da região Centro-Oeste e o sul do Amazonas serão as áreas mais afetadas pelo calor intenso nas próximas décadas. No semiárido as temperaturas acima dos 40C serão frequentes.

O Relatório destaca que 94% da região semiárida do Brasil estará passível de desertificação

Confirmando este alerta do Relatório sobre os riscos de desertificação da região Semiárida do Brasil, os índices de desmatamento na Caatinga são mais do que preocupantes. Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) houve um salto nas queimadas de 164%  até 1 de Agosto de 2021 (2.130 focos) em relação ao mesmo período de 2020. Estes focos concentram-se no oeste do Bioma Caatinga, na sua fronteira com o Cerrado, na linha do MATOPIBA.

Não existem políticas públicas de combate à desertificação. Há uma lacuna no mapeamento das áreas desertificadas ou em processo de desertificação, o que  praticamente impede o planejamento do combate à desertificação.

Pelo contrário, temos exemplos de políticas públicas que sustentam o desmatamento. Este é o caso da Bahia, onde o desmatamento é uma política pública.

Estudos e pesquisas indicam (Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia) que as autorizações de supressão de vegetação nativa não impactam positivamente a geração de riqueza e nem os indicadores de desenvolvimento humano nestes territórios. Mesmo nos municípios do oeste baiano que alcançaram pequenos resultados de acréscimo de PIB/capita positivos à custa de milhares de hectares desmatados, os indicadores de desenvolvimento humanos de suas populações não sofreram nenhuma melhoria. Ao contrário, muitos municípios não desmatados tiveram índices melhores ou iguais no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) enquanto municípios como Correntina e Buritirama, os mais desmatados (através de autorizações de supressão oficiais) sofreram o maior declínio no IDH.

Em trabalho do Map Biomas sobre o Bioma Caatinga apresentado em abril de 2021, com base no ano de 2020, a Bahia lidera em número de alertas de desmatamento, com 1692 alertas, seguida pelo Ceará com 790, Piauí com 631, Paraíba com 363, Pernambuco com 317, Rio Grande do Norte com 258, Minas Gerais com 131, Alagoas com 61 e Sergipe com 29. A relação entre os alertas de desmatamento e a extensão das áreas efetivamente desmatadas, mostra um quadro ainda mais alarmante pela sua dimensão. No ranking das áreas mais desmatadas, a Bahia persiste na liderança isolada com 32.950 ha, seguida pelo Ceará com 8950 ha, Piauí com 5523 ha, Rio Grande do Norte, com 3943 ha, Pernambuco com 3580 ha, Paraíba com 2753 ha, Minas Gerais com 2429 ha, Alagoas com 867,2 ha e Sergipe com 257,2 ha. Importante registrar que os dados apresentados pelo Map Biomas se apoiam em informações sobre o desmatamento ilegal. No caso da Bahia, o desmatamento é quase 100% legalizado pelo órgão ambiental, o que torna a situação ainda mais grave.

A persistência da posição da Bahia neste ranking, inclusive para outros Biomas, como Mata Atlântica e Cerrado, amplia o alarme vermelho de que trata o VI Relatório do IPCC, confirmando a necessidade de um deslocamento socioambiental e político para o enfrentamento das circunstâncias catastróficas apontadas pelo Relatório.

Sem políticas públicas para enfrentar estes problemas e com políticas públicas oficiais de desmatamento, a Bahia demonstra incapacidade atual de contornar os desafios apresentados pelo Relatório do IPCC, o que reforça a necessidade de uma guinada nas políticas públicas socioambientais da Bahia.

Enquanto isto, a agricultura familiar e agroecológica cobram a regularização das terras que têm sido alvo de um nova onda de grilagem, que tem acompanhado as políticas de desmatamento oficiais, além do assédio provocado pelo uso extensivo de agrotóxicos. A Agroecologia de base familiar, sendo uma agricultura regenerativa, precisa estar no centro de um paradigma alternativo de Transição Socioecológica, que reoriente a economia do Brasil e de nosso estado.

Na Bahia, desde 2016 tramita o projeto de lei 21.916/2016, de autoria do nosso mandato que Institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, que objetiva promover ações indutoras de transição agroecológica e produção orgânica, orientando o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida das populações nas cidades e no campo, por meio de oferta e consumo de alimentos saudáveis, com preços justos e acessíveis a todos e do uso sustentável dos recursos naturais. A transição ecológica é o único caminho para um planeta sustentável.

Deputado Estadual Marcelino Galo (PT-BA)