Diante dessa demanda, os movimentos sociais realizaram o Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), com os objetivos de analisar a conjuntura da educação brasileira e definir estratégias de construção e fortalecimento da política de Educação do Campo, realizar intercâmbio de atividades e reflexões entre os estados e entre as diferentes organizações, definir linhas de ação e compromissos políticos de atuação, entre outros.
Nesse sentido, Rosana Fernandes, do setor de educação do MST, analisa essa construção conjunta entre diversos movimentos sociais em torno da educação no campo, que aconteceu entre os dias 15 a 17 de agosto, em Brasília, e as perspectivas de ações para o próximo período.
O que se pretende com esse Fórum sobre a educação do campo?
As organizações do campo estão passando por um novo momento de articulações sobre a educação no campo. O Fórum Nacional da Educação do Campo foi um espaço voltado apenas para os movimentos sociais para que pudessem debater e retomar a discussão mais aprofundada sobre a educação no campo, algo que de uma alguma maneira deixamos de realizar nos últimos dois ou três anos.
Tivemos como objetivos analisar a conjuntura da educação brasileira tanto a partir do que os movimentos sociais estão fazendo quanto as ações que o próprio governo brasileiro tem apresentado como possibilidade de estruturação da organização da educação no campo.
Pensando nessa conjuntura, como o projeto de educação no campo se coloca dentro de um projeto de agricultura dos camponeses, em contraponto ao projeto do capital representado pelo agronegócio.
Também apresentamos algumas experiências concretas de parceria entre os movimentos sociais com instituições de nível superior, na formação técnica, na capacitação pedagógica de educadores, experiências que estão dando certo e que precisamos dar continuidade a elas.
Além disso, discutimos sobre as possíveis articulações nos estados e nos municípios para irmos fortalecendo uma base para que o fórum não seja apenas uma articulação nacional, mas que de fato possa ter um resultado mais efetivo com os educadores que estão nas escolas do campo.
As discussões que fizemos foi no sentido de entender qual o nosso papel, qual o papel do estado e o que vamos fazer de agora em diante, de ações concretas para irmos efetivando as políticas apresentadas pelo governo, especialmente o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo), como vamos implementar essa proposta ou até que ponto esse programa atende as nossas demandas.
E o que vocês avaliaram em relação a esse e demais programas governamentais?
As políticas públicas que o governo tem apresentado não são suficientes para as demandas que temos, mas são importantes para que de fato seja implementado a educação no campo.
Temos a clareza que essas políticas têm muitos limites, não contempla todas nossas necessidades, que apenas serão respondidas com a pressão dos trabalhadores e trabalhadoras camponeses organizados.
Compreendemos que o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) é um programa necessário, que precisa ser fortalecido a partir das demandas dos movimentos, e que governo possa garantir recursos no seu orçamento para que continue o processo de Educação de Jovens e Adultos e de ensino superior.
No entanto, não se pode deixar o Pronera de lado com a chegada do Pronacampo.
Também temos a compreensão de que a educação no campo tem que ser compreendida e formulada a partir dos sujeitos que estão no campo. Fizemos muito esforça para que o governo reconhecesse a necessidade de uma política de educação no campo.
Porém, o Pronocampo ainda vem numa concepção da educação rural, de uma ideia de que precisa de alguém externo para levar as coisas ao campo, algo que somente é oferecido ao campo sem que haja uma construção com o sujeito do campo sobre as ideias. As possibilidades que os movimentos sociais apresentam ao governo não foram aceitas. Ou seja, essa construção não existiu e com isso acabamos tendo dificuldades de aceitar porque há limites no programa e não atender a necessidade real das nossas comunidades.
É um programa feito por governo com seus técnicos que estão fora da realidade e apenas elaboram algo supostamente compatível e chegam com algo já pronto para apenas dizer o que temos que fazer.
E o que mais foi debatido nesse encontro?
São várias as discussões e pautas que os movimentos sociais têm em comum e em determinados momentos é preciso sentar e colocar as questões na mesa. A educação é uma pauta antiga dos movimentos e unifica.
Essa articulação em torno dessa temática nasce em 1997, com a realização do 1º Encontro Nacional de Educadores, organizado pelo MST, que depois se amplia e se transforma numa articulação nacional para educação no campo, que já teve como resultado duas conferências nacionais e vários seminários nacionais.
Há dois anos que estamos construíndo esse fórum, fundado a partir de uma articulação nacional por essas organizações. O seminário acabou sendo um marco de reorganização e discussão sobre a educação no campo, ao olhar para toda a trajetória e as necessidades dos movimentos.
Há alguns consensos em relação a educação no campo que já estão mais consolidados, como a concepção de que a educação no campo é mais do que ter escola nos assentamentos e comunidades camponesas, e o entendimento sobre o sujeito do campo, que não são só os assentados e pequenos agricultores, mas que há também os ribeirinhos, indígenas, povos das florestas.
A necessidade existe, e dentro desse projeto para a agricultura queremos a garantia do acesso e da universalização dos níveis de escolarizações para todos os sujeitos que estão no campo, desde a educação infantil até o nível superior.
Além da questão de garantir estrutura física para escola. Haja vista que nos últimos 10 anos foram fechadas mais de 37 mil escolas no campo.
E o que foi tirado de linha de ação pelos movimentos sociais a partir desse seminário?
Temos tirado como linha de ação que o Fórum Nacional de Educação no Campo tem de ser fortalecido com mais participação de mais sujeitos do campo, como os quilombolas e indígenas, para que eles participem da coordenação nacional do fórum e também possam desenvolver a educação no campo.
Tiramos agora a projeção de realizar a 3º Conferência Nacional em 2014 ou 2015. Além de ir desenvolvendo ações nos estado e municípios, onde queremos atingir. Por isso compreendemos que o fórum é mais do que ficar na coordenação nacional. Temos que botar a base no interior dos estados para poder se sustentar com ações concretas.
E para o início do próximo ano estamos projetando uma jornada de lutas para cobrar dos novos prefeitos uma política de educação do campo, por construções de escolas, de pensar currículos específicos, formação de educadores.
Por que é importante discutir especificamente a educação no campo?
A educação no campo está dentro de um projeto maior. Um projeto que queremos para a sociedade brasileira e um projeto de agricultura que defendemos. Acreditamos que a educação forma consciência, projeta novas possibilidades de se fazer a luta e das pessoas se sentirem sujeitas participativas, protagonistas desse processo. E reconhecer que historicamente os camponeses sempre foram deixados de lado nesse processo da educação.
O acesso a todos os níveis de ensino é necessário para projetarmos a transformação que acreditamos que deva ser para a sociedade e para o campo brasileiro.