As pressões e articulações dos militares para derrubar da Prefeitura de Salvador o então prefeito eleito Virgildásio Senna, na década de 1960, foram relatadas nesta segunda-feira (16) pelo ex-vereador e ex-deputado estadual constituinte Luis Leal à Comissão Especial da Verdade da Assembleia Legislativa. Essa foi à terceira oitiva do colegiado, presidida pelo deputado estadual Marcelino Galo (PT), com ex-deputados estaduais cassados pela ditadura militar na Bahia. A última de 2013.“Na véspera da votação, os vereadores foram chamados ao Quartel General. O informe era claro; os militares queriam o impeachment de Virgildásio Senna, e quem votasse contra seria preso”, conta Leal, que ao lado de Luiz Sampaio, líder do governo na época, não seguiu a orientação dos militares. “O impeachment do prefeito Virgildásio Sena era imoral, ilegal e indecente. Não dava para aceitar aquela imposição e dormir de consciênciatranquila. Votei contra, e a galeria da Câmara deVereadores ficou surpresa.Não fui preso graças à intervenção do vereador Ebert de Castro, que presidia a sessão e levou a resolução até o quartel. A prisão foi substituída por depoimento”.
Na época, o então governador Antonio Balbino chegou a informar Luis Leal sobre os perigos que corria por conta de seu posicionamento tido como “subversivo” pelos militares. Na audiência Luis compartilhou os conselhos dado pelo governador:
“Olha Luis, eu tenho acompanhado a sua vida como vereador. Seu trabalho está muito bom, você tem feito bons pronunciamentos, mas eu queria conversar com você sobre isto. Eu já conversei com Dr. Jango e com nosso amigo Dr. Waldir Pires, mas eles não querem me ouvir. Eu disse que as esquerdas não têm condições de empolgar, agora, o poder no Brasil. Pelo contrário (…). Talvez fosse conveniente que o governo desse um passo atrás, para ver se consegue algumas conquistas agora e mais tarde avançar, para que eles salvassem o governo. Não querem me ouvir. Eu acho que seu mandato como vereador aqui na Bahia está bom (…). Quero ver se lhe ajudo a salvar o seu mandato. Quero pedir para você atenuar as suas críticas por um período pequeno. Deixe um pouco que as coisas se acalmem, para que você não seja incluído entre pessoas que possam ser atingidas”.
Preso e deposto o prefeito Virgildásio Senna, o comandante da sexta região militar, General Mendes Pereira, convocou os vereadores para uma reunião na noite de 5 de abril. O general, que nominou o golpe de “Revolução Redentora”, solicitou que a Câmara de Vereadores, ainda naquela noite, se reunisse para declarar o cargo vago. “Isto foi feito. Havia um movimento já vitorioso, o burburinho de que presidente estava fora do país, não havia resistência”, detalha Luis Leal, antes de explicar a indicação de Dr. Antonino Batista dos Anjos Cazaes como substituto de Virgildásio. “O ambiente da Câmara era terrível. Nós tínhamos medo de que um militar substituísse Virgildásio. Nós achávamos que era isto que estava sendo programado pelo coronel Humberto de Mello. Era ele quem fazia a política dentro do Quartel General. Concluída a votação da vacância, decidimos fazer a eleição indireta, por temer a indicação de um militar. A lei orgânica, que definia estas situações, mandava que fosse indireta. Nós convocamos a reunião e elegemos Antonino Cazaes prefeito da capital, por voto indireto”, arremata.
A conversa inquietante com o governador Antonio Balbino e as articulações dos militares revelaram também o ambiente de conspiração contra o presidente João Goulart. O ex-governador da Bahia e ex-ministro do governo Lula, hoje vereador de Salvador Waldir Pires, consultor geral da União no governo Jango, revela que a história usada pelo Congresso Nacional como justificativa para declarar a vacância do cargo do Presidente da República – a de que o presidente João Goulart tinha fugido do país – foi “uma mentira”.
“João Goulart estava no país. Tinha se dirigido de Brasília para o Rio Grande do Sul, onde o Terceiro Exército tinha se rebelado contra o Golpe de 1964. Lá era articulada uma resistência”, observa Waldir que, ao lado de Darcy Ribeiro, foi o último a deixar o Palácio do Planalto antes do golpe que depôs Jango do poder.
A oitiva foi considerada pelopresidente da Comissão Especial da Verdade, deputado estadual Marcelino Galo (PT), como uma das mais importantes para esclarecer os fatos obscuros que aconteceram nos porões da ditadura militar no Brasil. Ele também antecipou que no dia 13 de março do próximo ano, data que marca os 50 anos do comício pelas reformas de base, será feita a devolução dos 13 mandatos de deputados estaduais cassados pelo regime na Bahia.
“Essa é uma das audiências mais significativas e importantes da Comissão. Luis Leal foi um vereador dos mais dignos do nosso Estado, que mesmo com a Câmara cercada por militares, se negou a votar pela cassação do prefeito Virgildásio Sena, eleito democraticamente pelo voto popular dos cidadãos e cidadãs de Salvador”, afirmou Galo, ao acrescentar que ainda serão ouvidos mais cinco parlamentares que tiveram seus mandatos cassados no período do regime militar.Também participaram da audiência o ex-prefeito de Salvador Virgildásio Senna,o coordenador da Comissão Estadual da Verdade, Joviniano Neto, o advogado e coordenador da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil (seção Bahia), Inácio Gomes.