Nunca é fácil falar sobre política, muito menos escrever sobre política. Conjuntura, democratização das comunicações, novos estatutos, eleições, economia, votos, são alguns dos assuntos que permeiam o imaginário coletivo, além, claro, dos pontos de convergências dos partidos a respeito da reforma política em tramitação no país e que é pouco noticiada, ao menos, não o é como deveria. Para debater esses e outros assuntos, é preciso falar do papel decisivo que os mandatos parlamentares exercem sobre a atividade política, como se dá essa construção e como funciona na prática – fazendo alusão aos dados e critérios da minha nova experiência pessoal vivida nesse primeiro mandato na Assembleia Legislativa da Bahia.
Uma questão importante que é preciso esclarecer é que há um peso da delegação partidária e um outro para a delegação que os eleitores atribuem ao parlamentar. Haverá sempre uma contradição a ser administrada nesta relação entre as duas representações, ou entre os dois pesos. O deputado representa principalmente o partido. Ele é eleito, sobretudo, pelo conteúdo político e pela força social da legenda. Mas representa também uma base social, que vai além da base partidária (uma parte do povo, uma parte das cidades que representa, uma categoria profissional, o resultado de uma história de vida e de luta na comunidade em que está inserido).
Com toda certeza, podemos dizer que o partido transmite força para o deputado, ao mesmo tempo em que ele também reforça o partido com as ações setoriais e transversais que executa, com os agentes e pautas políticas que defende e com as posições públicas que assume. A relação também pode funcionar como uma positiva troca mútua de atribuições onde cada um sabe exatamente o que fazer.
Por isso, haverá momentos em que o deputado será porta-voz do partido. Em outros momentos, expressará opiniões do setor da sociedade que representa ou da classe e movimento social que representa. Em outros, falará por si mesmo, ou com ajuda de seus aliados e assessores. Por fim, em muitos momentos falará como representante dos setores e atores sociais com os quais seu mandato dialoga e os quais busca representar. Afinal, foi assim que construiu sua liderança ou assim deveria ser.
Alguns estatutos partidários, a exemplo daquele do meu partido, o PT, preconizam a ligação direta do parlamentar na ação política aos organismos de direção partidária e aos organismos de base, que deveriam todos, pelas normas estatutárias, discutir e aprovar previamente programas, planos de ação, projetos, propostas e ações importantes dos deputados. Os estatutos, na verdade, representam um reflexo dos anos iniciais dos partidos. Com a consolidação da atuação dos parlamentares, os partidos deixaram às bancadas a maior parte das decisões em sua atuação própria, nem sempre observando o princípio de atenção ao interesse coletivo.
Já a respeito das propostas de reforma política postas em discussão atualmente, sem dúvida, devem merecer atenção prioritária aquelas que corrigem distorções no sistema de representação popular. Alguns temas mais importantes me parecem ser o voto em lista fechada, o voto distrital e o financiamento público de campanhas.
O voto em lista fechada, indicada e formada pelo partido é medida salutar que fortalece os partidos e diminui o peso individual dos agentes políticos, focalizando a escolha do eleitor em um partido e seu programa. A grande batalha será como regular a escolha intrapartidos evitando a formação ou reforço de plutocracias partidárias que escolherão os candidatos e a ordem deles na lista apresentada aos eleitores, não permitindo que lideranças dissidentes ou mais novas possam ter chance real de ser eleitas, isso diminuiria a pluralidade da representação.
O voto distrital, proposta defendida pelos setores mais conservadores, busca transformar os parlamentares em meros representantes de espaços territorais sem considerar a existência de inúmeras demandas políticas econômicas e sociais transversais que transbordam aos limites dos territórios. Em uma eleição polarizada pela dinâmica territorial, parlamentares com marca de defesa dos direitos humanos, mulheres, reforma agrária, SUS, educação pública, tendem a ter muito mais dificuldade pra se elegerem.
Por fim, o grande tema da reforma política é o financiamento público de campanha. Não por que hoje ele já não seja em parte público, a exemplo do programa eleitoral gratuito – que implica em renúncia de recursos públicos para ser viabilizada, sem falar na corrupção com recursos – utilizada em larga escala em amplos setores da atividade política que usa deste instrumento para se elegerem.
Trata-se aqui de defender o financiamento público oficial, com limitação expressa de gastos por candidatura e financiamento exclusivamente público com a finalidade de afastar ou, no mínimo, reduzir a influência do poder econômico nas eleições conferindo mais legitimidade ao pleito e mais liberdade de ação aos eleitos, permitindo igualdade de condições (ou, ao menos, menor desigualdade) e permitindo maior ambiente para o debate programático nas eleições. Os mandatos parlamentares podem ajudar o debate público sobre estes temas mobilizando opiniões, dialogando com a sociedade civil e intervindo decisivamente nos parlamentos. É o que temos buscado fazer.